sábado, 21 de abril de 2007

Das barracas e outros demônios


O inferno para Raimundinho das Couves já dura mais de sete meses. Morador do Nordeste, ele costumava descer até a praia de Amaralina rigorosamente às 9h de sábado e começar um fim de semana etílico com pititinga frita e garrafas de Dávila Bier (R$ 1,30 no varejo) numa aparência quase polar. Depois que os barraqueiros da orla, esses anfitriões suados da alegria praiana, foram impedidos de trabalhar em todas as suas possibilidades, das Couves já não consegue a mesma temperatura da gelosa quando passa de meio-dia e o gelo derrete nos isopores que são um arremedo de geladeira à beira-mar. O inferno é mesmo ser obrigado a beber uma cerveja quente no incinerante meio de tarde de sábado.
O inferno para Jacira Nazaré Gomes, a barraqueira Jajá, uma desbocada comerciante, que virou tema de música de axé e tem a barriga esférica de quase quatro décadas apreciando o malte da cevada, também dura esse tempo. Ela representa o outro segmento afetado, os ameaçados de desemprego, despejados da possibilidade de faturamento, no sofrimento da fuga de clientes, na ressaca perene que tomou conta da costa que antes era entretenimento e hoje é favela e desolação.
O inferno para o prefeito João Henrique, pivô das idas e vindas no projeto Orla, arauto dos factóides e portador da síndrome AGP (Autismo Governamental Paralisante) é coisa bem mais antiga e só a ressurreição de um especialista nas dores da alma seria capaz de explicar.
Todo esse preâmbulo é para falar da situação tão polêmica quanto ridícula que se arrasta desde a conclusão de que os imóveis levantados na beira da praia a pretexto de modernização da orla soteropolitana ferem o bom senso ambiental e, pior ainda, o bom senso estético. (Aliás, esta última opinião poderia ser dada até por um garoto de cinco anos que começa a aprender a juntar os bloquinhos coloridos de um Lego para formar a maquete de uma casinha de cachorro).
O impasse é tema recorrente em qualquer mídia na Bahiaum bom tempo. Já passou da fase de ser considerado um espanto, depois um acinte, até chegar na situação de naturalidade, em que se joga com o futuro de centenas de famílias trabalhadoras da praia como se estivessem mexendo num tabuleiro de Playmobil.
Agora, chega-se ao ponto da demolição anunciada e o natural e risível recuo da prefeitura de Salvador, para aceitar tudo o que fora sugerido antes e só agora considerado viável. Nem Renato Aragão, com sua inspiração mambembe de comediante repetitivo, conseguiria uma quantidade suficiente de adjetivos burlescos para caracterizar tamanha trapalhada.
Na ausência de prognósticos para o final dessa estória ou de expressões dignas para descrever a situação grotesca, fica a seguinte indagação:

é impressão só minha, ou Didi e Jajá foram separados no nascimento?

quinta-feira, 19 de abril de 2007

FÓSSIL VIVO

A notícia de que americanos encontraram o fóssil da mais antiga árvore do mundo movimentou o mundo da ciência. A tal árvore de 385 milhões de anos não tinha folhas, parecia com uma samambaia e já ajudava a esfriar o planeta porque absorvia dióxido de carbono. Os detalhes estão em um artigo que foi lançado nesta quinta-feira na revista “Nature”. Não vou questionar a importância científica da descoberta dos americanos, mas enquanto eles “futucam” as pedras de lá, aqui no sul do Brasil estão milhares de árvores consideradas fósseis vivos. São as araucárias que têm mais de duzentos milhões de anos. O assunto Fóssil Vivo me intriga desde que vi a primeira foto de um celacanto. O peixe pré-histórico era considerado extinto até o fim da década de 30, até que um sujeito na África pescou o bicho. O peculiar é que a descoberta só se tornou “a descoberta” depois que foi publicada por um cientista americano. Segundo os estudiosos, “fóssil vivo é um organismo que sobreviveu por um considerável tempo sem sofrer mudanças morfológicas significativas, tendo chegado até nossos dias”. Caso algum cientista americano descubra quem usava videotexto por estes lados, quem sabe eu possa vir a ser capa da Nature.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

MINEIRA E VIRGÍNIA


O olhar confuso e perdido revela o pânico da criança que busca proteção no colo da mãe, ambas escondidas num ponto de ônibus, no meio de um tiroteio. Elas estão numa rua, que deveria ser pública, mas no Rio de Janeiro de 2007, não há vias de acesso livres para o povo. Há morros, becos, favelas, bairros e áreas dominadas por grupos de criminosos. E coitada da pobre mãe que precisa levar sua filha para o colégio. Só mesmo se protegendo dos tiros em pontos de ônibus que servem de barricadas na guerra civil que se espalha numa cidade antes chamada de Maravilhosa. Me desculpem os cariocas e afins, mas eu não gostaria de arriscar a vida da minha filha toda vez que saíssemos à rua.

Nos últimos três anos, mais de 20.000 pessoas foram assassinadas no Rio, a maioria na área metropolitana da capital. É mais que seis vezes o número de mortes de norte-americanos no Iraque desde 2003. Um artigo publicado pela Reuters Brasil no início do mês relata a experiência dramática do diretor de um dos maiores hospitais públicos do Rio, o Getúlio Vargas. Carlos Chaves diz:
" É como se o hospital ficasse no meio de uma zona de guerra. A única diferença de uma guerra é que aqui não há trégua".

Pena que esta semana o mundo não olhou para o Morro da Mineira como olhou para a Virgínia. O massacre na universidade americana merece destaque pela brutalidade e estupidez. Mas o olhar de pânico da criança perdida no meio de um tiroteio é o retrato cruel de uma sociedade atônita diante da insegurança.

A diferença é que Cho Seung-Hui pagou US$ 571 pela arma que usou para matar 32 inocentes. No Rio de Janeiro o bandido da esquina não precisa nem pagar. Mata um policial e rouba a arma. Depois mata sabe Deus quantos inocentes.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Até que enfim!



Eu sei que o mundo ainda está chocado com o massacre na Universidade Técnica da Virginia –EUA, que deixou 32 mortos e 15 feridos. Olhando mais para o próprio umbigo, os tiroteios de hoje no Rio de Janeiro, com saldo de 21 mortos, também chamam a atenção para a guerra civil que acontece debaixo de nossos narizes. Mas não poderia deixar de eleger como minha notícia do dia o anúncio daquilo que todos suspeitavam e alguns temiam... Sandy e Júnior se separaram! Finalmente, depois de 17 anos, acabou. Tudo bem que a discografia envolve 17 trabalhos, mais do que muito artista possa sonhar em chegar. Só que mesmo os fãs devem reconhecer que muitas músicas usaram do recurso da tradução de hits originalmente em inglês ou espanhol, o que pessoalmente me tira do sério. Sem contar que a força do pai-sertanejo Xororó no mínimo ajudava a fazer com que os filhos estivessem em quase todos os programas de televisão. Era difícil de agüentar!
A dupla decidiu fazer a revelação num vídeo disponibilizado na Internet, no início da tarde. É engraçado perceber que, tal qual aconteceu durante todos esses anos, Júnior chega atrasado, depois de alguns segundos nos quais a irmã brilha sozinha na tela. Interessante também notar a escolha da web para sacramentar a separação. Anos atrás, o palco do Faustão ou uma entrevista exclusiva para Glória Maria seriam as opções primeiramente pensadas. Como a geração de fãs que seguiu o trabalho dos irmãos está ligada na Internet, assim como os jornalistas que fazem cobertura musical ou de celebridades, nada melhor do que aproveitar o recurso.
A boa notícia para os fãs é que resta ainda um trabalho para dar o ponto final à carreira de Sandy e Junior. Eles participam do projeto Acústico MTV, com DVD, CD e turnê por algumas cidades brasileiras.
Os irmãos não revelam o motivo da decisão nem os rumos artísticos que irão tomar. Que Sandy é uma boa cantora, bonita e com presença de palco isso muitos concordam. Que Júnior é um instrumentista esforçado, também. Agora, serão duas identidades. E, lembrando um dos maiores sucessos da dupla, cada um vai ter que rebolar para provar que resiste a 17 anos de superexposição com um trabalho marcado para o público infanto-juvenil.

segunda-feira, 16 de abril de 2007

VOANDO BAIXO


Lembra daquela atriz e apresentadora de TV do início dos anos 90, a Doris Giesse? A loira platinada teve passagens pelas TVs Bandeirantes, Record e SBT, apresentou durante um período o Fantástico e chegou a ter um programa próprio, o humorístico Doris para Maiores, ambos na TV Globo. Muitos devem lembrar dela pelo sucesso que fez quando posou para a revista Playboy.

Pois bem, a última notícia que chega da moça não tem nada de comédia. Doris, de 46 anos, caiu do prédio onde mora num bairro nobre de São Paulo. Do sétimo andar. Caiu, mas sobreviveu. A versão oficial dá conta de que a moça tentava pegar o gato dos filhos quando perdeu o equilíbrio, mas o histórico da ex-apresentadora, que tem formação de bailarina, aventa outras possibilidades.

A notícia de hoje me fez voltar no tempo. Curiosamente, eu já estive no prédio onde aconteceu o acidente. Um grande amigo vivia num apartamento no mesmo endereço e o comentário geral era de que a ex-apresentadora sofria de depressão e afins. Num belo dia, em visita a meu amigo, em São Paulo, cruzei com ela quando atravessava a rua. Um boné escondia o rosto cabisbaixo. A informação de que a loira não andava bem é confirmada nesse texto de Alexandre Inagaki, de 2004. Dois anos antes, Doris teria chegado a passar fome e foi pedir ajuda no mesmo ambiente que a deixou para lá.


Seu site oficial - sim, apesar de tudo ela tem; quem não tem hoje em dia? - omite os problemas pessoais, inclusive as declarações da própria Doris para um programa de TV de que seu marido não a deixava voltar para a televisão. Seria Doris mais uma vítima do mundo das celebridades? Uma vasculhada na web revela outra faceta da apresentadora: blogueira. Em seu diário virtual, Doris comenta detalhes do cotidiano e ainda publica as poesias que vêm tomando conta de seus últimos meses. No último post, apenas uma foto e dezoito comentários. A maioria desejando melhoras à moça com rosto de robô. No canto direito, uma carinha indica como ela se sentia no último dia em que atualizou a página, 31 de março: "bem humorada".

domingo, 15 de abril de 2007

ODE AO CARCARÁ



Agora, a alegria é oficial! Depois de três meses de disputa acirrada, o clube de Alagoinhas, o único Atlético reconhecido no Recôncavo Baiano, chega ao quadrangular final do campeonato estadual da Bahia. Na cidade definida por Ruy Barbosa como o "pórtico de ouro do sertão baiano", um vendedor de picolé desabafou no exato momento em que a horda de torcedores destruía sua caixa de isopor. "Agora, o Atlético encarcará pra cima de Bahia e Vitória", vociferou, fazendo trocadilho debochado com a ave que representa a equipe. Os políticos locais já planejam como meta da campanha do ano que vem pagar as passagens de avião de toda a delegação para Tóquio, na disputa do Mundial de Clubes. Uma carreata saiu do estádio Carneirão, até as ruínas da igreja de Alagoinhas Velha, antes passando pelo totem do Pau Pintado, onde todos os torcedores de duplo sentido foram abençoados. Os meios de comunicação da capital se renderam à jornada de heroísmo, suor e lágrimas dos gladiadores de Alagoinhas, que superaram dietas alimentares restritas para honrar a tradição esportiva da cidade. Mas faltou à mídia retratar em toda a grandiloquência e com a sensibilidade que o assunto merece a saga destes anônimos em vermelho, preto e branco que fizeram do futebol a sublimação de uma raça.
Todo o resto não passa de história.