
O inferno para Raimundinho das Couves já dura mais de sete meses. Morador do Nordeste, ele costumava descer até a praia de Amaralina rigorosamente às 9h de sábado e começar um fim de semana etílico com pititinga frita e garrafas de Dávila Bier (R$ 1,30 no varejo) numa aparência quase polar. Depois que os barraqueiros da orla, esses anfitriões suados da alegria praiana, foram impedidos de trabalhar em todas as suas possibilidades, das Couves já não consegue a mesma temperatura da gelosa quando passa de meio-dia e o gelo derrete nos isopores que são um arremedo de geladeira à beira-mar. O inferno é mesmo ser obrigado a beber uma cerveja quente no incinerante meio de tarde de sábado.
O inferno para Jacira Nazaré Gomes, a barraqueira Jajá, uma desbocada comerciante, que virou tema de música de axé e tem a barriga esférica de quase quatro décadas apreciando o malte da cevada, também dura esse tempo. Ela representa o outro segmento afetado, os ameaçados de desemprego, despejados da possibilidade de faturamento, no sofrimento da fuga de clientes, na ressaca perene que tomou conta da costa que antes era entretenimento e hoje é favela e desolação.
O inferno para o prefeito João Henrique, pivô das idas e vindas no projeto Orla, arauto dos factóides e portador da síndrome AGP (Autismo Governamental Paralisante) é coisa bem mais antiga e só a ressurreição de um especialista nas dores da alma seria capaz de explicar.

Todo esse preâmbulo é para falar da situação tão polêmica quanto ridícula que se arrasta desde a conclusão de que os imóveis levantados na beira da praia a pretexto de modernização da orla soteropolitana ferem o bom senso ambiental e, pior ainda, o bom senso estético. (Aliás, esta última opinião poderia ser dada até por um garoto de cinco anos que começa a aprender a juntar os bloquinhos coloridos de um Lego para formar a maquete de uma casinha de cachorro).
O impasse é tema recorrente em qualquer mídia na Bahia há um bom tempo. Já passou da fase de ser considerado um espanto, depois um acinte, até chegar na situação de naturalidade, em que se joga com o futuro de centenas de famílias trabalhadoras da praia como se estivessem mexendo num tabuleiro de Playmobil.
Agora, chega-se ao ponto da demolição anunciada e o natural e risível recuo da prefeitura de Salvador, para aceitar tudo o que fora sugerido antes e só agora considerado viável. Nem Renato Aragão, com sua inspiração mambembe de comediante repetitivo, conseguiria uma quantidade suficiente de adjetivos burlescos para caracterizar tamanha trapalhada.
Na ausência de prognósticos para o final dessa estória ou de expressões dignas para descrever a situação grotesca, fica a seguinte indagação:

